Há quase dez anos o responsável da agência económica Bloomberg na China, Eugene Tang, defendeu em Pequim, no âmbito da Cimeira Mundial dos Média, que, “na era da Internet, qualquer pessoa com uma câmara e um telemóvel pode ser jornalista”. Será?
Por Orlando Castro
Esta é, contudo, uma visão muito estreita e restritiva, sobretudo em Angola. Nestas bandas nem é preciso ter uma câmara e um telemóvel para ser jornalista. Para isso basta ter um cartão do partido no Poder que, no nosso caso, é o mesmo desde 1975. Há excepções? Há. O Folha 8 é, continua a ser, uma delas. As coisas parecem estar a modificar-se? Parecem.
Eugene Tang falava perante responsáveis de 170 órgãos de informação que estiveram reunidos para analisar os desafios e oportunidades que a era do digital e do multimédia coloca aos meios tradicionais: agências noticiosas, jornais, estações de rádio e de televisão.
A posição expressa por Eugene Tang – de que os jornalistas são uma classe condenada a curto prazo – foi rebatida pelo presidente da agência noticiosa alemã DPA, para quem “um cidadão-jornalista nunca pode substituir um verdadeiro jornalista”.
Em Angola pode. Até há pouco tempo esse era um “poder” reservado a quem estava, ou gravitava, no poder. Hoje há novos protagonistas. Então se não for apenas um simples cidadão mas, antes e por exemplo, um deputado, tem mais de meio caminho andado. Com a vantagem de ser o tal “cidadão-jornalista” sem ter de escrever, bastando-lhe dizer ao “jornalista” o que deve escrever. E se este não perceber bem, nada como acrescentar (é de facto um bom estimulante da percepção) que é amigo do dono do jornal, dos directores ou do ministro da comunicação social.
Pois é. Mas onde estão os verdadeiros jornalistas? E será que os donos do país e, indirectamente ou não, donos dos meios de comunicação social estão interessados em ter jornalistas?
“Quando temos um problema em casa procuramos um canalizador profissional e não um cidadão-canalizador”, comparou Malte von Trotha, Presidente da DPA.
Comparou bem. O problema está que para os donos dos meios, tal como para os donos do país (antigos e recentes), os angolanos são matumbos e comem tudo o que lhes é dado. E se assim é, tanto faz um texto escrito por um jornalista como por um cidadão-jornalista. Além de tudo, o cidadão-jornalista até trabalha mais barato ou de borla, não questiona, come e cale, verga-se e está-se nas tintas para a ética, para a moral, para a liberdade. Portanto…
Ainda segundo Eugene Tang, a grande maioria ou mesmo a totalidade dos jornais norte-americanos corre risco de extinção nas próximas duas décadas, devido ao rápido desenvolvimento dos novos média.
Embora concordemos com Eugene Tang, cremos que o problema principal está no facto de os jornais, neste caso, serem meras empresas comerciais que, em função do seu único objectivo – a sobrevivência -, querem mão-de-obra barata para apenas se preocuparem com a informação em série, sem cuidarem da formação, e muito menos com a deformação das sociedades.
O futuro da imprensa foi também focado na altura pelo presidente da agência noticiosa japonesa Kyodo, Satoshi Ishikawa, segundo quem o declínio dos jornais no Japão “não tem sido tão acentuado como noutros países”, talvez porque quase 100 por cento das tiragens da imprensa ser entregue no domicílio, em lugar de estar à venda nas bancas.
Ainda assim, reconheceu Satoshi Ishikawa, as receitas publicitárias diminuíram, havendo cada vez menos jovens a ler jornais.
Em Angola basta ter dinheiro para ser dono de um jornal e, é claro, para ditar as regras, para lá mandar pôr o que muito bem entender, sejam as fotografias do rafeiro ou da amante.
Essa coisa do direito à liberdade de criação e do direito à liberdade de expressão é algo, convenhamos, que não se encontra nas sarjetas onde muitos dos nossos políticos empresários, empresários políticos e outras espécies da mesma “família”, fizeram a sua formação. Não admira, por isso, que se julguem no direito de, indirectamente, mandar calar todos aqueles que entendem a verdade como um paradigma insubstituível.
O Folha 8 resiste desde 1995 na sua versão identitária, em papel. À Internet chegámos mais recentemente e os resultados estão a ser bons. Prestes a terminar este ano, registamos que a nossa edição digital diária teve, em 2018, mais de um milhão de visualizações de páginas do que em 2017.
Por isso, com orgulho, dizemos Obrigado leitores amigos! A todos, aos que nos lêem todas as semanas na edição em papel e aos que, por esse mundo, fazem o mesmo com a nossa edição digital diária.
Estamos a tentar levar a carta a Garcia. A carta está cada vez mais perto do destinatário? Talvez esteja. Pelo caminho foi preciso derrotar os que nos aconselhavam a deitar a carta na primeira valeta. Mas, derrotados uns, logo aparecem outros mais resistentes, mais sofisticados.
É claro que, no meio de todos, apareceram alguns que – solícitos – nos estendem a mão para nos ajudar a erguer depois de um tropeção (e consequente queda) nas pedras da picada. Pedras que, em alguns casos, ali foram colocadas pelos mesmos que nos estenderam a mão. Mas essa é outra história.
Pena é que nem sempre conheçamos todos aqueles que retiram as pedras da picada antes de passarmos. Mesmo assim, mesmo que anónimos, merecem a nossa gratidão.
Em 2019 certamente (assim esperamos) continuaremos a tentar o impossível (o possível fazemos todos os dias) para ajudar a construir um país há 43 anos adiado. Não sabemos se temos engenho e arte para tal, sobretudo numa sociedade em que todos dizem saber mais e fazer melhor do que nós. Mas de uma coisa temos a certeza: não há comparação entre o que perdemos por fracassar e o que perdemos por não tentar.
E tentar é coisa a que estamos todos habituados. Por isso…